Por terem evoluído como caçadores solitários, os gatos passaram a mascarar sinais de dor como estratégia de sobrevivência. Sendo assim, exibem comportamentos sutis de dor, tornando a percepção da dor um grande desafio na prática felina. A avaliação da dor é uma parte elementar da clínica e fundamental para saúde geral e bem-estar do animal, sendo assim, deveria ser parte de qualquer exame físico.
Aspectos fisiológicos como a frequência cardíaca e respiratória, dilatação da pupila e testes neuroendócrinos podem ser alterados quando o gato está ansioso, com medo ou estressado, por isso não devemos considerá-los como marcadores exatos de dor. O único fator fisiológico a ser considerado como marcador da dor é a pressão sanguínea.
A mudança no apetite também pode ser considerada como marcador de dor, visto que gatos com dor tem diminuição de apetite. Por outro lado, é difícil distinguir se não estão se alimentando por não gostarem da ração, por não terem fome ou se de fato estão com dor.
A dor aguda é conhecida pelo seu aparecimento repentino e breve, além de ser provocada por um trauma, cirurgia, infecção ou patologia. Hoje sabemos que a dor é composta por três dimensões:
Sensoriais-Discriminativas: envolve avaliação da intensidade, localização e duração da dor. Ou seja, qualidades físicas. É avaliado por meio de um completo exame físico, histórico, conhecimento de comportamentos específicos e uso da escala de dor.
Afetivas-Emocionais: se relaciona com as consequências emocionais da dor e por isso acaba impulsionando a tomada de ação protetiva do gato.
Cognitivas-Avaliativas: está relacionada as experiências anteriores relacionadas a dor. Está dimensão é dificilmente avaliada em felinos.
Com o intuito de ajudar médicos veterinários, estudantes e enfermeiros, foram criadas escalas de dor. Elas ajudam a diferenciar as intensidades da dor (leve, moderada, severa), os tipos de dor (cirúrgica, traumática, funcional etc.) e o mais importante: diferenciar indivíduos que estejam com dor dos que não estão. Atualmente, das tantas escalas criadas, só três são consideradas válidas:
1. Escala multidimensional da UNESP-Botucatu para avaliação da dor em gatos (UNESP-Botucatu MCPS)
Originada no Brasil, é uma ferramenta válida, confiável e com excelente capacidade discriminatória. Ela inclui duas das três dimensões da dor: sensoriais-discriminativas e afetivas-emocionais . Porém, é uma escala validada apenas para
um tipo de dor: a dor causada pela ovariohisterectomia, não há certeza de que pode ser aplicada em outros tipos de dor, além de consumir muito tempo para ser realizada.
2. Escala de dor de Glasgow para gatos (Glasgow Feline Composite Measure Pain Scale – CMPS Feline)
Por mais que esta ferramenta tenha categorias comportamentais parecidas com a escala de dor da UNESP Botucatu, ela se mostrou mais fácil e rápida de se utilizar.
A escala de dor de Glasgow pode ser aplicada a qualquer tipo de dor aguda e recentemente foi atualizada com a inclusão de expressões faciais.
3. Escala Facial Felina (Feline Grimace Scale – FGS)
Um estudo realizado na Universidade de Montreal desenvolveu uma escala facial para detectar o aparecimento da dor aguda em felinos, conhecida como Feline Grimace Scale (FGS).
As escalas faciais são métodos simplificados de avaliar as expressões faciais especificamente relacionadas a dor. A maioria destas escalas consideram quatro a cinco AU (action units- unidades de ação) do rosto. Estas unidades de ação são: abertura dos olhos, posição das orelhas, tensão do focinho, posição do bigode e posição da cabeça, juntas formam uma expressão.
Comparação das três escalas de dor validadas
Existem outras escalas disponíveis, incluindo a Escala Visual Análoga (Visual Analog Scale-VAS), a Escala de Classificação Numérica (Numerical Rating Scale-NRS) e várias outras escalas descritivas de classificação como a Escala de Dor da Universidade de Melbourne e a Escala de Dor Felina do Colorado, porém, segundo Steagall e Monteiro, não foram validadas e não devem ser utilizadas nesta fase para a avaliação da dor em gatos, podendo causar uma avaliação errada da dor no paciente.
Bibliografia
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